Meu nome é Bernard Bianchinni, mas não era assim que me chamavam no colégio. A escola estadual de Campanha era a única da minha cidade que possuía ensino médio. Meus amigos de turma me chamavam de Toco. De fato eu não era muito grande, mas eu ficava um pouco menos incomodado quando algum pirralho do primeiro ano me chamava de Ben. Eu conhecia quase todo mundo do primeiro até o terceiro ano, o que eu cursava numa turma única de 63 alunos. E apesar de um clima melancólico obrigatório de último ano escolar nós sabíamos que no próximo verão nos encontraríamos novamente no curso pré vestibular da cidade vizinha, Capão Alto. Exceto aqueles que por um milagre passassem no vestibular da Federal logo na primeira oportunidade ou aqueles que continuariam em Campanha servindo a igreja ou ajudando a família na produção de café. A verdade é que eram novos tempos, nossos avós, nossos pais e até nossos irmãos mais velhos não tinham muita escolha, mas desde que abriu uma unidade da Universidade Federal na cidade vizinha todos os jovens estavam obstinados a terem uma vida melhor. Ou assim pensávamos. Em outubro de 2008 eu já tinha estudado mais que o suficiente para passar de ano e ainda faltava mais de um mês para eu me despedir da vida escolar. Já tinha 17 anos havia um bom tempo e já me sentia preparado para NÃO ter o mesmo destino dos meus pais.
Meu pai era Mórmon, assim como toda a minha família e assim como toda a minha vizinhança. Eu não conhecia muito a minha vizinhança, mas lembro bem de acordar às 5h todos os dias da minha infância para rezar e depois sair de casa em casa espalhando a palavra do Senhor. Quando eu fiz 8 anos comecei a chamar meus poucos amigos para irem na minha casa às sextas feiras, dia em que minha família se reunia para rezar. antes de começarmos eu fazia meu showzinho e pregava para alguns mais velhas que eu: dois vizinhos de nove anos, minha prima Carolina de onze anos, meus quatro primos que moravam em capão alto e meu irmão que no ano seguinte completaria 18 e se mudaria para a capital para trabalhar no transporte de cargas .
Meu irmão Benhur sempre foi muito próximo de mim. Eu achava que ele era a pessoa mais inteligente do mundo e que um dia eu seria como ele. No dia em que ele se mudou para a cidade grande antes de partir Benhur me chamou atrás do pequeno jardim da minha mãe e disse:
-Um dia Ben, você também terá 18 e então eu venho te buscar para trabalhar com o irmão. Subiremos no caminhão e conheceremos o mundo. Arranjaremos mulheres de grandes peitos e nos casaremos com elas. Nos fins de semana passaremos em Campanha para almoçar com o pai e com a mãe e nossos filhos correrão pelo jardim.
Mas eu acho que ele não desejou isso com muito afinco. Ou alguém desejou uma outra história para mim, porque no ano seguinte meu pai morreu. Um infarte fulminante na volta de uma manhã em que saímos para pregar. Um homem tão novo e tão bom, diziam as minhas tias no dia do enterro.
Tudo o que aconteceu depois foi muito rápido. Meu pai que tinha muitos bens vendeu tudo para doar para a igreja semanas antes de sua morte. Talvez já soubesse que tinha pouco tempo, mas eu acho que foi só o destino me pregando a primeira peça. Minha mãe decidiu se mudar para campo alto, só eu e ela. No primeiro mês ela não conseguiu pagar o aluguel e fomos despejados. Mesmo com o orgulho ferido, depois de dois dias dormindo na rua eu acho que ela pensou que não poderia deixar uma criança de 10 anos passando fome.
Nós fomos para a casa da tia Marjorie, mãe da Caroline e esposa do tio Jorge. Tio Jorge era cunhado da minha mãe e batia na tia Marjorie e na Carol sem piedade. Um dia eu estava sozinho em casa quando a Carol chegou da escola chorando. Eu não perguntei o que aconteceu, mas ela me chamou para o seu quarto, pediu que eu deitasse na cama dela e me abraçou. Eu estava envergonhado por ter algo volumoso dentro da bermuda, mas sem cerimônia ela baixou a mão. Um garoto com 11 anos e uma garota de 14, primos, fazendo algo que na época eu chamara de primeira vez, o que na verdade não era.
Foi apenas uma única vez e com o passar do tempo eu comecei a achar aquilo normal, mas jamais saberei o que ela pensa sobre isso (se é que se lembra ). Dois anos depois a Carol engravidou do namorado e o pai dela a expulsou de casa. Ela saiu da escola e se casou com Jonas que trabalhava no café. Ela não teve a chance de estudar para o vestibular e muito menos (conforme dizia o outdoor da prefeitura): ter a chance de ser alguém maior, fazer faculdade na Federal!
Eu queria ser alguém maior. Eu queria ir para longe da plantação de café, fosse com enfermagem, direito ou pedagogia, os únicos três cursos oferecidos. Eu estudei muito, dia e noite. Em pouco tempo eu já sabia mais coisas decor das apostilas do que da própria Bíblia, que eu estudara desde que nasci.
Mas no dia do vestibular aconteceu uma coisa muito estranha. Talvez fosse o nervosismo, mas ao descer do ônibus no ponto em frente ao campus de Capão Alto eu tropecei em um mendigo. Literalmente. E esperei que o moço ruivo vestido a maltrapilhos me xingasse, mas ao invés disso tudo o que ele disse foi: você tem muito tempo.
Eu sabia que não deveria levar a sério um homem possivelmente bêbado, mas de fato eu tinha algum tempo livre. Cheguei uma hora antes de os portões abrirem e duas antes de começar a prova. Meu coração acelerou um pouco quando percebi que não tinha nada pra fazer além de esperar. Eu podia ter levado algum rascunho para estudar antes da prova, mas fiquei com medo de o fiscal da sala achar que eu havia levado cola. Eu também ouvi meus professores dizerem inúmeras vezes que estudar na véspera só me deixaria mais nervoso. Eu achava que não poderia ficar mais nervoso.
Aquela hora de espera para a abertura dos portões pareceu se arrastar por longos anos. Atrás de mim começou a se formar uma pequena fila, mas na hora que de fato os portões se abriram havia espaço para todos entrarem simultaneamente. Conferi a minha sala (sala 23, terceira sala do segundo andar -ordem alfabética), tomei água do bebedouro, comprei mais uma caneta (além das outras duas que eu havia levado) e sentei murinho do lado de fora do hall do prédio. Haviam passado dose minutos.
No muro da minha frente havia um casal de namorados mais ou menos da minha idade e um garoto que parecia não ter idade ainda para fazer faculdade. Algumas pessoas estavam vestindo camisetas de cursos pré vestibular com dizeres do tipo: uma vaga já é minha (o que não ajudava em nada o meu nervosismo). Voltei para dentro do prédio faltando mais de meia hora para a prova quando vi uma garota sentada no chão entre a minha sala e a próxima. Ela usava tênis e tinha um moletom cinza escuro amarrado na cintura. Quando ela levantou o olhar e me viu deu um sorrisinho simpático e voltou a ler o que tinha nas mãos. De repente eu percebi que o movimento no corredor era nervoso e ela se levantou. Uma voz soou na caixa de som do campus: faltam cinco minutos para o início das provas, por favor, todos em suas salas.
Eu não sei como não percebi o tempo passar, por isso me atrapalhei para mostrar a identidade e a inscrição para o fiscal da minha sala e quando sentei na minha carteira demarcada com o número 28 meu coração parecia querer fugir pela boca.
Quase um mês depois eu sai com meu amigo Jonh para comemorar. O único aluno da escola a passar no vestibular. John, assim como o resto dos alunos estavam felizes de saber que se encontrariam de novo no curso de verão, todos menos eu, que começaria a estudar Direito antes mesmo de ter tempo de visitar meu irmão.
John e eu fomos a um boteco de quinta categoria e bebemos nove garrafas de cerveja entre um ovo em conserva e outro. Quando chegou a hora de mijar de cinco em cinco minutos eu me levantei para ir ao banheiro, mas antes de chegar na porta do banheiro masculino eu esbarrei em uma garota. Em outras ocasiões eu já havia bebido mais. Houve a vez em que um amigo nosso fez uma festa de despedida e eu bebi duas garrafas de vinho sozinho e misturei com tequila. Mas naquele dia no bar com John eu fiquei mais bêbado do que qualquer ocasião em toda minha vida.
Eu acho que a garota também tinha bebido muito, porque nenhum de nós conseguia adentrar a porta do banheiro. O corredor parecia pequeno demais e ainda balançava como se estivéssemos em um barco. Eu nunca andei de barco, mas agora eu imagino que deva ser uma experiência um pouco enjoativa. Quando eu esbarrei nela pela terceira vez ela caiu na gargalhada. Eu dei um sorriso sem graça e finalmente consegui encontrar a maçaneta do banheiro masculino. Talvez aquilo tudo não tenha durado mais que três segundos, mas foi tempo suficiente para eu perceber que ela era loira e tinha dois melões. Tempo suficiente também para eu me apaixonar. E não foi a primeira nem a última vez. Uma garota gostosa, num bar, sorrindo pra mim. É o suficiente para mim.
Entrei no banheiro que mais parecia uma poça de mijo e tentei ser melhor do que os outros que passaram por ali antes de mim. O importante era não me mijar nas calças porque eu tinha um plano para por em prática assim que saísse dali. Eu ia esperar a garota loira gostosa sair do banheiro, sorrir para ela e dizer que tinha achado ela muito bonita. Quem sabe com um pouquinho de sorte eu conseguiria o seu telefone.
Lavei as mãos com o sabonete líquido que fedia a erva doce sai do banheiro e esperei menos que um minuto. Ela saiu séria, mas quando me viu deu um sorrisinho, pegou minha mão e me puxou para dentro do banheiro. Tenho a impressão de que ela não trancou a porta. Colocou as mãos por trás do meu pescoço e começou a me beijar. Eu já estava excitado antes mesmo de entrar no banheiro, mas quando coloquei as mãos por dentro do sutiã ela disse: vamos com calma, eu nem sei seu nome ainda.
Eu olhei para ela um pouco confuso e muito frustrado e acho que isso estava escrito na minha testa porque ela caiu na gargalhada de novo. Ela abriu a porta e saiu e eu precisei de um tempo para me recompor, mas quando sai do banheiro ela estava me esperando e disse: meu nome é Sabrina.
-O meu é Benjamin, mas pode me chamarde Ben. -ela riu -aquele de camisa azul é meu amigo John, quer nos acompanhar na bera?
Ela deu de ombrou e me seguiu até a mesa.
-John, essa é Sabrina, conheci ela no banheiro. -ela riu de novo.
-ah, entendi- respondeu ele.
E foi assim. Naquela noite a Sabrina dormiu na minha casa, nós conversamos só o suficiente pra eu saber que ela era um ano mais nova que eu. Fizemos sexo quase a noite toda. Aliás, quase a semana toda. E um mês depois ela disse que estavamos namorando.
Sabrina era uma garota fácil de lidar. Nos encontrávamos de quinta a domingo todas as noites na minha casa, conversávamos sobre o tempo, sobre erva, sobre dança, bebíamos muito e transavamos muito. Eu não estava exatamente apaixonado, mas não podia dizer que estava insatisfeito. Sabrina era muito, muito boa pra mim.
Nos dias de férias que eu não estive com ela comecei a procurar emprego. Logo eu teria que me mudar para Campanha para cursar Direito e precisava pelo menos de um emprego para conseguir pagar o aluguel e me alimentar. Mas o que eu consegui foi muito melhor que isso.
Numa segunda feira de manhã quando Sabrina saiu da minha casa eu entrei no site de vagas de emprego, procurei por Campanha igual fiz nos últimos 22 dias e finalmente havia um anúncio: empresa RS distribuição procura auxiliar de entrega comercial. 8h por dia de segunda a sexta, salário de R$927 + vale refeição e vale transporte, enviar currículo para rh@rsdistribuicao.com
Enviei meu currículo praticamente vazio. Minha única experiência profissional havia sido no bar do meu avô, mas eu achei melhor não mencionar isso. Quinze minutos depois um homem me ligou e no dia seguinte eu me apresentei ao RH.
Quanta poeira...
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Gente, esse quarto tava que era o muro das lamentações.
Hora de falar de coisa boa, hora de falar de
Voltaremos em breve com nossa ...
Há 10 anos
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